Tuesday, July 26, 2011

Ibama nega licença para hidrelétrica no Nordeste

 
Ibama nega licença para usina hidrelétrica do PAC no Nordeste



O Ibama negou à Companhia Hidrelétrica do São Francisco o pedido de licença prévia para uma hidrelétrica do PAC na divisa do Maranhão com o Piauí. A Chesf tem dez dias para recorrer.
A reportagem é de Claudio Angelo e publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, 22-07-2011.



A decisão foi publicada ontem no "Diário Oficial da União" e assinada pela diretora de Licenciamento do Ibama, Gisela Damm. Segundo Damm, a usina de Uruçuí, no rio Parnaíba, terá "impactos ambientais de ampla magnitude, apontados no EIA-Rima[estudo e relatório de impacto ambiental], ainda que consideradas as medidas de compensação".
O relatório aponta que a usina alagaria uma área grande demais em relação à energia gerada: seriam 279 quilômetros quadrados de reservatório para 134 megawatts de energia. É pouco mais de 1% da potência instalada da já polêmica Belo Monte, no rio Xingu, para um reservatório apenas 50% menor.
Segundo o relatório, a hidrelétrica afetaria uma área de cerrado nativo com espécies ameaçadas e levaria ao desaparecimento da cidade de São Félix das Balsas (MA), de cerca de 3.000 habitantes. A Chesf, estatal que está em greve, não comentou. Nesta semana, o Ibama suspendeu também a licença da ferrovia Oeste-Leste. Segundo o Ibama, a Valec, estatal do setor de ferrovias, não estava cumprindo as condições socioambientais apontadas na licença de instalação, concedida em novembro passado.
Parece que nem tudo está perdido!
Notícia reblogada do IHU - Instituto Humanitas.

Thursday, July 21, 2011

Código Florestal em Ebulição na 63a. SBPC - Gandolfi


Texto de parte da palestra proferida pelo Prof. Dr. Sergius Gandolfi (USP) , especialista em Ecologia de Comunidades Florestais e em Restauração Ecológica.

 Código Florestal em Ebulição

O uso do solo acima de sua capacidade leva à sua degradação. Mas o que é solo? Solo é rocha em decomposição, distribuído por diversas camadas. O maior problema com relação ao solo é a erosão, que nada mais é que o impacto da chuva sobre o mesmo, arrastando as camadas superficiais. A erosão irá inevitavelmente ser levada para dentro dos cursos d’água, causando sedimentação e contaminação com agrotóxicos e fertilizantes. Na ausência de uma vegetação de proteção nas margens dos rios, o próprio curso d’água “come” o barranco e mais sedimento irá para dentro da calha do rio, ficando o mesmo mais largo e mais raso, ao que chamamos de assoreamento. O assoreamento diminui a capacidade de armazenamento dos rios, que inundarão as áreas vizinhas (enchentes).

 No Brasil, basicamente, temos essa situação na grande maioria das terras destinadas à agricultura e pecuária. Não há mais mata ciliar, não temos mais concentração de solo adequado e a água corre superficialmente causando inundações. A água também não abastece mais os lençóis freáticos porque o solo não é mais capaz de filtrar a água. E a mata ciliar que também tem o papel de filtro, de retenção de fósforo e de nitrogênio, de retenção de sedimentos, evitando a degradação do curso de água, não se faz mais presente.

 Área de Proteção Permanente (APP)

De acordo com o Código Florestal vigente, a mata ciliar (APP) deve ser protegida e deve ser constituída após a calha do rio, medida no seu leito mais extenso após o período das chuvas.

Na proposta para o novo Código Florestal, esta medida é fixada em leito médio, com isso diminuindo em 60% a área de proteção, que passará a ficar dentro da calha do rio (da calha maior) bem na beira da calha menor.

Consequentemente o trecho que estava protegido ficará fora da APP, se tornará o que será chamado de “várzea” a qual ficará sem proteção, sofrendo assoreamento e erosão vinda das áreas agrícolas vizinhas.

Para rios de até 10 m, deverão receber 30 m de faixa ciliar (APP). Para uma microbacia, num projeto de estudo e estimativa feito por mais de 20 anos, ficou claro que a faixa de preservação necessária para a proteção das nascentes e dos rios, seria necessário uma faixa de 50 m de mata ciliar. Portando os 30 que já temos no nosso atual Código Florestal já são insuficientes.

O novo Código, aparentemente aceita manter os 30 m de preservação – olha a pegadinha - mas diz que só é necessário restaurar 15 m. Isto quer dizer que só 15 m serão replantados e a área agrícola será aumentada em 15 m. Um rio pequeno com calha pequena, ficará assoreado muito mais rapidamente que um rio maior.

A proteção dos topos de morro

Está prevista uma redução da proteção só para morros acima de 100 m com o terço superior do morro com mais de 25 graus, aparentemente parece que o relator aceitou em manter as APPs dos topos de morro, mas – como sempre existe um “mas” - mais à frente – em outra pegadinha – as áreas que já se encontram em uso, continuarão em uso, seja qual for o uso, sem a proteção das APPs.

Áreas de topo de morro chegam na rocha, são abandonadas por estarem totalmente degradadas, e seu solo vai parar totalmente dentro dos rios.

No vale do Paraíba, o maior produtor de café do Brasil, a área está totalmente degradada, por ter sido totalmente plantada por muito tempo. É uma área abandonada há mais de 100 anos para a agricultura, é usada por pecuária com uma produção de 0,6 cabeça por hectare – quando em geral é de 1 cabeça por hectare.

 A degradação ambiental

Na proposta no novo Código Florestal, na APP não é permitido o uso para produção, mas permite que seja usada pra reflorestamento com plantas exóticas – eucalipto e pinnus por exemplo.


Programa de regularização ambiental

Prevê a manutenção do uso atual da terra, tornando-se uma área cosolidada (art.8.) e assim também é consolidado o assoreamento, o mau uso, a erosão.

Em pequenas propriedades (até 4 módulos – entre 110 e 440 hectares) – muitas propriedade der usinas de etanol medem isso – a Reserva Legal que é de 20% no Código vigente, passa a vigorar o que já tem de presenrvado, se não tiver nada preservado, ficará consolidado desta forma.

Um dos recuros usados por fazendas maiores que isso é dividir a propriedade em partes menores.

 Função Social e Atividade de Baixo Impacto.

A floresta nativa pode ser retirada seja por função social ou por atividade de baixo impacto. Mas a lei não especifica o que seria esta Função Social. Sendo possível o Município legislar sobre, pode decidir sobre a retirada da floresta por qualquer motivo que julgue ser Função Social.

 A pecuária será considerada atividade de baixo impacto, mas a lei vigente só permite que o gado entre em APPs para beber água e não para pastar. Gado pastando debaixo das árvores, se alimenta dos brotos e a floresta fica impossibilitada de de recompor.

 Desaparecimento do passivo ambiental. 

Passivo ambiental é todo prejuízo causado à natureza por qualquer atividade econômica: agricultura, pecuária, extrativismo, empresas, etc. É a dívida para com o meio ambiente e a sociedade, que deverá ser paga de alguma forma.

 Com a nova Lei, as Reservas Legais das propriedades serão consideradas as que estavam lá em 2008, se não havia nenhuma, então esta Reversa Legal não existe. E se a Lei permite tantos dispositivos para que as APPs desapareçam, elas também não existirão, e o passivo ambiental será zerado.

 Cadastro Ambiental

O proprietário que aderir ao Cadastro Ambiental, tem as pendências jurídicas suspensas, bastando para isso se cadastrar!


 Plano de recuperação - Consolidação em APP

 As grandes propriedades - acima de 4 módulos - 12% das propriedades no Brasil, correspondem a 77% da área agrícola. É onde estão a maioria da APPs.

Podem continuar usando o que está sendo usado de forma irregular – consolidação.

Fazendo as contas

As APPs devem corresponder a 10% da área total, logo para uma propriedade de 500 hectares, 50 hectares devem ser de APPs, mas como a metade disto está irregular, tendo apenas 25 hectares de APPs e o restande plantado, rendendo R$1.000,oo por hectare,  representa um lucro de R$25.000,00 – ou um carro popular por ano.

 Apagão hídrico

 A maioria dos rios tem menos de 10 m de largura (90% em extensão) e estarão menos protegidos o que gerará mais assoreamento, mais contaminação nas água das represas de abastecimento público, que servem para abastecer as usinas e as cidades.

 Apagão alétrico

 O lago da única usina hidrelétrica do MS está tão sedimentado que não produz mais energia. A Usina, desde 1996 só retransmite a energia de Itaipú. E o lago tinha mais de 1o m de profundidade.

Assoreamento dos portos

 Todo rio corre para o mar e para dragar os portos o Brasil terá um custo de mais de R$3 bilhões.

 Sobreposição de Reserva Legal e APPs

A Reserva Legal deixa de ser recuperada porque o novo Código permite sobrepor reserva legal e APP.

Compensação no Bioma

A Reserva Legal pode estar em qualquer lugar do país, e até nos países vizinhos (sic).  Uma fazenda que desmatou na região Amazônica, pode ter sua Reserva Legal na Região Sul, ou Nordeste,  sem função ecológica nenhuma.

 Reposição da vegetação 

O proprietário terá 20 anos para replantar, com espécies nativas e exóticas, numa proporção de meio a meio. Mas a Lei não especifica quanto, quais e como. E se for apenas uma espécie nativa e uma exótica replantadas?

A reserva legal na amazônia passou de 50  pra 80% , mas isso pode ser revertido se a propriedade já usava 50% da terra, não sendo necessário recuperar esta vegetação.

Açudes  e pequenas lagoas – não precisa mais ter vegetação de proteção nas margens.

Acaba com a proteção das terras indígenas – olho grande na silvicultura querendo fazer manejo florestal nas áreas indígenas. 

Tecnologia como solução

Usando novas tecnologias é possível manter a Reserva Legal e as APPs, por exemolo aumentando de 1 para 2 cabeças de gado por hectare, o que liberaria mais 80 milhões de hectares para plantação, o que é mais que toda a área agrícola já existente no país.

O povo
Deveria ser ouvido publicamente - num plebiscito, em audiências públicas pelo país. A discussão apenas começou!


(by Zara Hoffmann)

Sunday, July 17, 2011

Belo Monte, Complexo Madeira, Tapajós e Tocantins – algumas falas


Esta semana estive participando da 63a. Reunião Anual da SBPC, no Campus Universitário da Universidade Federal de Goiás e algumas das conferências que acompanhei bem de perto, foram sobre o novo Código Florestal, Alternativas Energéticas e sobre os projetos de construção de Hidrelétricas na Amazônia.

Sem dúvida, a atividade Ciência em Ebulição, de sexta feira à tarde (15/07) foi a mais acalorada, com tema Belo Monte, Complexo Madeira, Tapajós e Tocantins. 




Teve a participação do Antropólogo Prof. Dr. Alfredo Wagner Breno de Almeida (professor na UEA e pesquisador da UFAM) e do Engenheiro José Ailton de Lima (diretor de engenharia e construção da CHESF).



A primeira apresentação foi do pesquisador da UFAM, que levantou os argumentos contra os projetos de construção do complexo de Usinas Hidrelétricas a serem construídas na Amazônia, entre elas, a polêmica Belo Monte. Fala bem argumentada em resultados de pesquisas científicas, mostrou com muita clareza os problemas sócio ambientais que envolvem obras deste tamanho em ambientes tão frágeis como a Amazônia. Ao contrário de seu interlocutor, o engenheiro José Ailton, um dos diretores da CHESF - Cia. Hidro Elétrica do São Francisco - concessionária responsável por parte das obras de Belo Monte, da transposição do Rio São Francisco, entre outras.


Num discurso sem argumentos, recheado de preconceitos típicos de um empresário capitalista, o engenheiro e diretor da CHESF, além de deixar os participantes indignados, colocou a mesa em situação de constrangimento.

 Apesar de haver preparado uma infinidade de transparências, não conseguia encontrar o que queria mostrar, mandando o auxiliar passar por várias, mostrando-nos só umas 4 ou 5 delas – as que interessavam apenas a ele – evidente. Seguem-se algumas das falas do mesmo senhor:
  • “… Porquê que índio tem que ter um tratamento diferenciado, só porque dizem que estavam aqui antes e por isso tem mais direito que nós brasileiros? “
  • Fazendo questão de deixar claro que “seis mil e poucas famílias de Altamira serão removidas para outras áreas, com projeto de urbanização, casa de alvenaria, tratamento de água e esgoto” - formulando ele mesmo a pergunta  “mas se numa hipótese alguma família não quiser sair, tem direito de não sair ?” – e ele mesmo respondendo – Não, não tem! Vai sair ou por bem, ou por negociação ou pelo direito, a obra vai sair de qualquer jeito.”
  • Tentando mostrar o quanto o projeto é viável: “Os igarapés serão urbanizados” – como se fosse possível fazer este milagre – “está no custo do projeto, não é um investimento do governo, os investidores vão arcar com esse custo.”
  • E o discurso vazio continua: “Tem ONGs estrangeiras que defendem que as propriedades indígenas têm autonomia, soberania sobre suas terras, soberania que vai além da soberania brasileira….. esse tipo de soberania eu não defendo, eu acho que as populações indígenas tem que ser tratadas dignamente como toda a população brasileira, que tem que ser respeitadas a sua cultura, as suas tradições e existem formas de fazer isso, mas aí de dizer que ninguém pode entrar nas suas terras, que nem o governo brasileiro…” – seguem-se gesticulações mostrando indignação - “essa é a verdade que até alguns políticos defendem… e com isso eu não concordo.”
  • O discurso segue em meio a indignação da platéia já inquieta e fervilhante: “A Volta Grande do Rio Xingú já fica seca a maior parte do ano mesmo!…. eu fiquei sabendo que o Raoni chorou por causa disso, e vai chorar mais ainda, vai chorar muito, porque a usina vai sair de qualquer jeito!”
E o discurso continuou por mais algum tempo. Alguns foram se retirando, não havia mais o que ouvir, já tinha sido o bastante. Outros ficaram para o debate final, onde o público pode fazer perguntas.
Mas como argumentar com quem não tem argumentos? como argumentar com um discurso preconceituoso, vazio e tendencioso, que mostra os interesses financeiros que há por trás de qualquer obra desta monta que assola o nosso país, fazendo parte do famigerado PAC – Plano e Aceleração do Crescimento – lançado pelo ex-presidente Lula (o qual já se declarou candidato às próximas eleições para presidente)?

Você também pode obter mais informações sobre Belo Monte no link abaixo:
http://www.abant.org.br/?code=101

(by Zara Hoffmann)
.

Monday, July 11, 2011

África: Rinderpest e a destruição de um continente.

 

pestedogado

Em meados da década de 1880 uma força expedicionária italiana fez uma de suas periódicas incursões no nordeste da África. Sua permanência foi curta, mas teve conseqüências catastróficas. Os italianos trouxeram consigo cabeças de gado para sua alimentação; e essas cabeças de gado por sua vez trouxeram e legaram à África a Rinderpest, ou peste do gado. A doença se disseminou de forma avassaladora, primeiro pelo chamado Chifre da África e rapidamente por todo o continente. O morticínio é até hoje incalculável.

Todos sabem que o continente africano é o que paga o maior preço pela herança colonial e pela desorganização da produção agrícola provocada pelos complexos agroindustriais das potências européias.De acordo com o Informe sobre Metas do Desenvolvimento do Milênio, publicado em 2010, "entre os 36 países com índices de mortalidade infantil superiores a cem por cada cem mil habitantes, 34 estão na África Subsaariana
O legado deixado pelo colonialismo europeu foi extremamente pesado não apenas no que se refere à destruição da cultura tradicional e das reservas de fertilização do solo ou equilíbrio natural. Mas há histórias antigas que devem ser lembradas para que fiquem evidentes as múltiplas estratégias de dominação engendradas através da destruição ambiental. Na África, elas se entrelaçaram à ausência de industrialização, crescimento demográfico acelerado e deterioração das relações de trocas externas, acompanhadas não raro de bloqueios e manobras desestabilizadoras. A combinação levou o continente ao limiar de uma catástrofe alimentar sem precedentes.
Os fatos que passamos a narrar mostram a centralidade da questão ecológica e, obviamente, sua radicalidade ética. Experiências inovadoras, alternativas aos sistemas produtivos implantados pelas potências européias e, posteriormente pelo imperialismo estadunidense, devem ser implementadas. Mas se não há outro método senão o do erro e do acerto, a experiência acumulada já nos permite evitar a devastação provocada por crimes " acidentais". Relembrar é fundamental para a ação política.
No final do século 19 a África já tinha sido duramente atingida por séculos de tráfico de escravos e exploração de seus recursos naturais, notadamente os minerais. Mesmo assim, ainda existiam no continente sociedades prósperas e vigorosas, econômica e culturalmente.
Uma única e aparentemente irrelevante intervenção européia mudou esse quadro de forma abrupta, devastadora e irreversível.
Em meados da década de 1880 uma força expedicionária italiana fez uma de suas periódicas incursões no nordeste da África. Sua permanência foi curta, mas teve conseqüências catastróficas. Os italianos trouxeram consigo cabeças de gado para sua alimentação; e essas cabeças de gado por sua vez trouxeram e legaram à África a Rinderpest, ou peste do gado.
A Rinderpest é uma moléstia infecciosa de ruminantes, altamente contagiosa e virulenta, causada por um vírus, Tortor bovis. O vírus tem um período de incubação curto, de três a cinco dias. Os primeiros sintomas da doença são lassitude e inapetência, acompanhadas de febre de mais de 40 graus. Seguem-se supurações oculares, nasais e bucais, diarréia, perda de massa corporal, desidratação e desinteria, e finalmente sobrevêem, após não mais de duas semanas, prostração, coma e morte.
Originária das estepes da Ásia, a Rinderpest chegou à Europa no rastro das invasões de povos como os mongóis. Após vários surtos epidêmicos, a doença se tornou endêmica em algumas regiões da Europa; e, como freqüentemente acontece com endemias, ocorreu um processo de seleção natural pelo qual os indivíduos naturalmente resistentes sobreviviam e se reproduziam, e seus descendentes, ou parte deles, possuíam imunidade parcial ou tolerância. Eram infectados mas não desenvolviam a doença, tornando-se assim portadores e transmissores assintomáticos.
Mas até então a Rinderpest era totalmente inexistente na África sub-saariana, possivelmente porque os camelos, os únicos animais a cruzar o deserto, não eram suscetíveis à moléstia. E portanto nenhuma espécie nativa era dotada de qualquer defesa imunológica contra a doença.
Sem a barreira protetora do deserto, a Rinderpest se disseminou de forma avassaladora, primeiro pelo chamado Chifre da África e rapidamente por todo o continente. Em 1887 a "peste do gado" surgiu na Eritréia, local da invasão italiana, e em menos de um ano havia se espalhado por toda a Etiópia. Dali seguiu dois caminhos. Para o oeste, através do Sudão e do Chade, e em cinco anos chegou ao Atlântico. Para o sul, através do Quênia e de Tanganica, e dali penetrando no centro do continente.
Antes do final do século 19 a epidemia tinha chegado à África do Sul, apesar das tentativas pelas autoridades das então ainda incipientes colônias inglesas ali já estabelecidas de impedir sua passagem erguendo uma barreira sanitária ao longo de 1.500 quilômetros, e havia dizimado quase todo o gado da região. E destruído, por onde passou, as sociedades nativas.
A doença não afeta seres humanos, mas aquelas sociedades tiveram suas bases destroçadas. Os pastores e criadores perderam seus rebanhos. Os agricultores ficaram privados dos animais de tração para seus arados e para as rodas de água que serviam para irrigar seus campos. E os caçadores viram desaparecer suas presas, pois a Rinderpest ataca indiscriminadamente espécies domésticas e selvagens.
O morticínio é até hoje incalculável. Pela fome, e pelas epidemias oportunistas que se instalaram aproveitando o quadro de subnutrição generalizada. E também pelo impacto psicológico. Tribos como os Masai, celebrados como prósperos criadores de gado e bravos guerreiros, viram toda sua estrutura social desabar da noite para o dia e se reduziram a pedintes, implorando por comida às caravanas que cruzavam seu território. Os Fulani, outra tribo antes rica e poderosa, perderam todo seu gado e, incapazes de aceitar o flagelo que os havia acometido, se auto-destruíram quase que à extinção matando suas próprias famílias e se suicidando em massa.
Para as potências coloniais européias a Rinderpest foi uma benção. Ao avançarem maciçamente sobre a África no final do século 19 e no começo do século 20 encontraram uma população empobrecida e assolada por doenças, drasticamente reduzida, em alguns casos a menos de 10% do que tinha sido uma ou duas décadas atrás, e incapaz de oferecer qualquer resistência significativa aos invasores. Poucas, se alguma, conquistas coloniais terão sido tão fáceis quanto a da África pós-Rinderpest.
Mas a peste do gado teve outra consequência: mudou a própria ecologia do continente. Até então, as grandes manadas que ocupavam as campinas africanas limitavam o crescimento da vegetação, tanto pelo pasto quanto por sua presença física. Com o desaparecimento dessas manadas, as planícies foram tomadas pelas gramíneas, que cresciam sem qualquer fator limitador, e a vegetação arbórea e arbustífera se espalhou por vastas áreas de florestas e cerrados.
Esse ambiente se mostrou propício à proliferação da mosca tsé-tsé, um grupo de insetos hematófagos do gênero Glossina que infesta tanto animais como seres humanos, e é o transmissor do parasita causador da trepanossomose conhecida como "doença do sono" (outra espécie de trepanossoma é causador da Doença de Chagas). A doença é caracterizada por febre e inflamação das glândulas linfáticas, seguidas, quando ocorre o comprometimento da medula espinhal e do cérebro, por profunda letargia (daí seu nome) e, numa alta proporção de casos, de morte.
De início a Rinderpest também afetou a mosca tsé-tsé negativamente, ao dizimar seus hospedeiros animais, domésticos e selvagens, e humanos. Mas a vegetação exuberante que passou a dominar as campinas forneceu o terreno ideal para que as moscas adultas depositassem suas larvas e assim procriassem em grande número, o que permitiu à tsé-tsé sobreviver. Quando a epidemia de Rinderpest cedeu, por falta de vítimas, as populações de animais selvagens, por não dependerem de humanos para sua subsistência, se recuperaram muito mais rápida e intensamente do que as de amimais domésticos e de humanos. E a mosca tsé-tsé pôde se espalhar pelos novos hospedeiros, livre de qualquer controle. Por sua vez, a infestação pela tsé-tsé e a doença de que é portadora impediram que os humanos e seu gado voltassem a ocupar as planícies como áreas de pasto. Nessas condições, a tsé-tsé passou a dominar o novo ambiente, incluindo o leste da África onde era inexistente, e regiões do sul do continente em que havia praticamente desaparecido.
A combinação de mudança ambiental e devastação colonial fez com que as sociedades já arrasadas pela peste do gado nunca pudessem se recuperar. Além disso, muitos dos conflitos tribais que hoje ocorrem são fruto não de rivalidades milenares, mas sim de disputas resultantes da Rinderpest, quer por comida no auge da epidemia quer pelas escassas áreas de pastoreio existentes no ambiente por ela criado, e agravadas pelas tensões geradas pelas fronteiras arbitrariamente riscadas no mapa pelas potências coloniais.
Ironicamente, uma outra iniciativa européia, esta bem intencionada, serviu para preservar as condições econômicas adversas. Os colonizadores supuseram, erroneamente, que o ambiente com o qual se depararam - vastas áreas de planícies cobertas por grama alta e ocupadas por animais selvagens, de cerrados e de florestas, todas infestadas pela mosca tsé-tsé e sem a presença do homem e de animais domésticos - era a "África primitiva"; e quando mais tarde surgiram os primeiros movimentos "conservacionistas" (alguns eivados de uma boa dose de hipocrisia) que levaram à criação dos parques nacionais e das reservas animais foi esse ambiente supostamente "primitivo" que se estabeleceu como modelo para a preservação, não raro com o beneplácito e a colaboração dos governos locais, desesperadamente necessitados das receitas em moeda forte provenientes do "turismo ecológico". Com isso, as áreas de "preservação" foram para sempre vedadas a qualquer atividade econômica, desprezando o fato de que, antes da Rinderpest, homem, gado e fauna selvagem dividiam equilibradamente o território, e de que esse equilíbrio era dinâmico, com ciclos de predominância dos diversos tipos de vegetação e formas de ocupação.
Isto criou ainda uma nova figura antes inexistente: o "poacher", ou caçador clandestino, tanto para obter alimento quanto para se apoderar, quase sempre para serem contrabandeados para países ricos, de despojos valiosos como chifres de rinoceronte ou patas de macacos. O "poacher" tornou-se, ao lado do ditador caricato, o grande vilão da África pós-colonial, a ser bravamente combatido pelo destemido "defensor da natureza", sejam naturalistas (muitos deles de fato idealistas e dedicados) sejam heróis de ficção - infalivelmente caucasianos. As "vozes d'África", como sempre, não se fazem ouvir.
A África que nos é mostrada hoje, nos documentários sobre a "África selvagem" e nos noticiários sobre as "guerras tribais", na ficção popular e nas biografias romanceadas "baseadas em fatos reais", é portanto em mais de um sentido uma artificialidade criada pela intervenção européia, direta e indireta, na ecologia do continente, incluída sua ecologia social. Um embuste reeditado pelos " Nat Geos" que se multiplicam nas telas.

(Gilson Caroni Filho é colunista da Carta Maior e Carlos Eduardo Alcântara Martins é economista formado pela PUC-RJ)

artigos originais nos links abaixo:


http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18026&boletim_id=958&componente_id=15487

http://www.lainsignia.org/2004/noviembre/cyt_004.htm

.

Sunday, July 10, 2011

63a. Reunião Anual da SPBC - Goiânia/GO

Começou hoje, em Goiânia, a 63a. Reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).



A Universidade Federal de Goiás está sediando a 63a. Reunião Anual da SBPC, com mais de 30 mil participantes inscritos.

http://www.sbpcnet.org.br/goiania/home/

Siga o link para saber como chegar, pegar o mapa do Campus e a programação.